segunda-feira, 2 de maio de 2011

Garagem em São Paulo só para ricos

 
 
O pagode na Cohab vai continuar legal. Mas pra chegar até lá, só a pé ou de bicicleta. É que vai ficar mais difícil morar no conjunto habitacional e usar um carro. Tudo por causa da decisão da gestão Gilberto Kassab: os novos conjuntos da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação) serão construídos sem vagas de garagem.

Ricardo Pereira Leite, secretário da Habitação e presidente da Cohab, diz que o fim das vagas tem dois objetivos. Um deles é o estímulo ao transporte público e bicicletas. O outro, reduzir custos.

Já são 5.500 unidades em 33 empreendimentos em projeto ou em obras financiados pelo Minha Casa Minha Vida.

O banimento das vagas nas novas Cohab contrasta com a realidade do mercado imobiliário de alto luxo.

No Real Parque (zona sul), por exemplo, um conjunto popular, sem garagem, está sendo erguido a 2 km de apartamentos milionários. Um deles, ao custo de R$ 15 milhões, oferece 12 vagas.

A lei municipal exige que os prédios tenham ao menos uma vaga por unidade. Há duas exceções: apartamentos com menos de 30 m2 de área e casas populares.
Eliane Guedes, especialista em planejamento urbano e defensora do transporte público, discorda da regra única. "A cidade não é tão provida de opções que permitam prescindir da garagem em certos locais." Ela tem dúvidas se a medida vai reduzir automaticamente os preços dos imóveis. Guedes defende, inclusive, a mudança na legislação. Em prédios no centro, onde há boa infraestrutura, pode não haver garagens.

Ciclovia

Valdilene Adelino é moradora de um dos conjuntos da Cohab em José Bonifácio, no extremo leste da capital. Ela diz ser inviável morar no bairro sem ter carro.
"O hospital mais perto é o Santa Marcelina. De carro dá uns 15 minutos. Sem, preciso pegar dois ônibus." O transporte público da região é ruim, diz a moradora.
Mas é exatamente na região de Itaquera que um grande conjunto habitacional será entregue. Com 940 unidades, o local terá cinco prédios com bicicletários.

Nesse caso, o projeto prevê uma ciclovia ligando a Cohab nova e as antigas às estações de trem mais próximas. Ainda há ideia de ligar, por ciclovias, mais dois conjuntos em projeto na zona sul -Jardim Edite, na avenida Jornalista Roberto Marinho, e Real Parque, do outro lado da marginal Pinheiros- à estação Morumbi da CPTM.

Vaga faz aumentar custo das obras, diz secretário.



Em circunstâncias normais, uma família com renda de até três salários mínimos não consegue ter carro, mas precisa de casa barata. É essa a explicação do secretário de Habitação de São Paulo, Ricardo Pereira Leite, para a decisão de eliminar as vagas de garagem dos novos empreendimentos da Cohab.

Folha - Qual é a razão de se fazer empreendimentos ligados ao trem por ciclovias e sem vagas de garagem?

Ricardo Pereira Leite - Como estou falando de uma população de baixa renda, o preço final do imóvel é muito importante, preciso otimizar para que não custe tão caro. Quando faço vaga de garagem, se fizer subsolo, vou ter um sobrecusto na obra. Se fizer vaga no térreo, a vaga é mais barata, mas vou fazer menos apartamentos, então fica mais cara. Quando a gente faz isso, o primeiro efeito é ter uma redução do custo e, portanto, do preço.

A segunda coisa é que estamos fazendo empreendimento para clientes de até três salários mínimos. Em tese, uma pessoa que tem renda familiar de, no máximo, R$ 1.500, em circunstâncias normais não consegue ter um carro. Então, o que é importante pra ele? Se ele vai dispor de um transporte público, estar bem localizado. Hoje, a diretriz que a gente tem é desapropriar e comprar terrenos próximos do transporte sobre trilhos.

Folha - Isso não é uma restrição indireta ao uso do carro?

Ricardo Pereira Leite - É um benefício e um custo. O carro tem um alto benefício, é confortável. Mas, para trabalhar no centro, por exemplo, a grande maioria acha interessante o metrô.

Folha - Não é o caso de desestimular o carro também nos empreendimentos particulares?

Ricardo Pereira Leite - É preciso mudar a lei. A lei prevê que em apartamentos de HIS [habitação de interesse social] não é obrigado a ter a vaga. Se não for HIS, é obrigatório ter pelo menos uma vaga por unidade.

Análise

São velhos conhecidos dos paulistanos os efeitos sociais e ambientais provocados pela utilização abusiva dos meios particulares motorizados de transporte: poluição do ar e sonora, acidentes etc.

Para defender a qualidade de vida de seus habitantes, é essencial que cidades adotem medidas restritivas, sobretudo associadas a políticas de promoção dos modos coletivos e não-motorizados.

Porém, abolir a garagem em conjuntos habitacionais para “incentivar o transporte coletivo” é um mau começo.
São Paulo caracteriza-se pela enorme concentração de postos de trabalho na região central e residências em bairros afastados. Congestionamento e superlotação do metrô refletem a má distribuição de atividades. A Cohab foi um dos protagonistas desse modelo de crescimento.

Ao longo de décadas, a política de habitação social do município fomentou a separação funcional, com provisão de unidades em bairros isolados, precariamente dotados de infraestrutura. Moradores dessas unidades precisam vencer grandes distâncias para ir ao trabalho.

Segundo a mais recente pesquisa origem-destino do metrô, em José Bonifácio a relação é de quase oito habitantes por emprego. Para um (futuro) morador do conjunto habitacional, soa piada de mau gosto a prefeitura anunciar o fim de garagens em seus novos empreendimentos meses depois de reajustar a tarifa de ônibus em R$ 3. Desacompanhada de outras medidas a atitude da Cohab contribuirá para limitar ainda mais a acessibilidade de parte da população.

Thiago Guimarães é jornalista, economista e mestre em planejamento e desenvolvimento urbano pela HafenCity Universität Hamburg (Alemanha).

Folha Uol – Evandro Spinelli- 1º/05/2011

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